Creio que conheço Felipe Russo há pouco mais de 4 anos, e foi numa época em que ele estava bem movimentado por exposição individual, projetos, publicações, etc. Há pouco, tomei um café com Felipe. Ele me pareceu estar num outro ritmo, quase que numa nova sintonia com a vida e a sua produção. Este Processo de criação aborda o seu novo projeto “10 anos, amanhã”.
Num primeiro momento, tive a impressão de estar diante de mais uma pesquisa sobre o espaço, a arquitetura e seus vestígios. Porém, aos poucos, as imagens me levaram por outros caminhos e o trabalho se mostrou com emoção, poética e muita labuta.
Numa época em que a Fotografia (como ação, comunidade, modo de vida, prazer, etc.) anda de mãos dadas com egos extremos e conchavos, ter um fotógrafo sério e concentrado em seu ofício só poderia promover projetos com coerência.
Fotos: Felipe Russo
Felipe, nos conte sobre o projeto?
Como em trabalhos anteriores, nos últimos dois anos sigo olhando para São Paulo. Principalmente para os objetos construídos que compõem sua estrutura física e a forma como esses guardam a história da gente que aqui viveu e vive. Nesse processo venho percorrendo as ruas e prédios do centro de São Paulo, principalmente da região conhecida como o Triângulo Central da cidade. Desenvolvi um especial interesse pelos prédios comerciais dessa região, em especial aqueles erguidos entre as décadas de 50 e 60 quando um processo intenso de verticalização transformou completamente essa região. A cidade se convertia em metrópole, a capital do trabalho, e uma nova arquitetura propunha um novo jeito de ocupar esse espaço. Foi um período de grande transformação, o pensamento Moderno se materializava em concreto. No trabalho “10 anos, amanhã” olho para esses espaços hoje. Conjuntos comerciais um dia considerados como símbolos de status e progresso são hoje ociosos ou subutilizados. Vejo no destino dessas construções a materialização do fracasso de uma estrutura de pensamento que definiu os rumos da cidade e da forma de ocupa-la. Acho importante olhar para esses espaços e refletir sobre seu destino e quem sabe pensar sobre o que continuamos construindo.
Como foi – e está sendo – a dinâmica da produção das imagens?
Como tudo que fotografo o trabalho surge de uma fascinação inicial pelo espaço em si e as fotografias seguem como uma forma de aproximação e busca por entender a origem desse fascínio. Nesse caso não foi diferente, comecei fotografando de forma livre e espontânea durante longas caminhadas no centro. Nesse período tudo transcorre numa ineficiência deliciosa. Com o tempo alguns padrões vão surgindo, passei por exemplo a buscar repetidamente o acesso a alguns prédios comerciais que hoje são o foco desse ensaio. Surgia nas imagens um interesse muito forte pela arquitetura e superfície dessas edificações, os revestimentos, o mármore, a madeira, as grandes janelas, a luz, e as marcas deixadas pelo seu uso e ocupação. Em um segundo momento se iniciou um processo de pesquisa, de busca por referencias teóricas e visuais que me ajudassem a entender o objeto fotografado e as possibilidades existentes nesse arquivo inicial que produzi. Nesse momento algumas decisões técnicas e conceituais foram estabelecidas. Mergulhei na história desses edifícios e principalmente em questões teóricas sobre a Arquitetura Modernista. Nesse momento, por exemplo, me deparei com textos que associam a permeabilidade dessas construções com a tela, no caso do cinema, e o palco, no caso do teatro conceito tão bem explorado no filme “Play Time” de Jacques Tati. Um outro conceito que alimenta a visualidade desse trabalho é a relação interior + exterior tão presente nesse tipo de arquitetura. Nesse sentido a luz desempenha importância central no trabalho. Mesmo com esse aprofundamento teórico não tenho o hábito ou mesmo a habilidade de construir ou pré-visualizar as imagens. Minhas fotografias surgem refletidas e invertidas no vidro da minha 4×5, por isso essencialmente o processo é andar e olhar pelos olhos da câmera.
Em que estágio se encontra o projeto agora?
Agora o projeto vive um momento de edição e formatação. Preciso compreender algumas coisas antes de produzir novas imagens. Tenho tentado entender a forma, o corpo que esse grupo de imagens pede. Nesse processo uma série de crenças iniciais perdem sentido. Sempre pensei em uma estrutura narrativa sequencial tendo o livro como o suporte para esse percurso. Hoje o trabalho tem se estruturado como agrupamentos de micro narrativas, blocos formados por dípticos e trípticos independentes. Um mapa em que os pontos se ligam em uma estrutura de nuvem. Existe uma tendência muito forte por estabelecer um grupo muito enxuto de imagens. Tenho pensando muito nessa articulação dentro do espaço expositivo, e estou muito entusiasmado com a potência individual de alguns desses agrupamentos de imagem. Um exemplo é o tríptico Triângulo que tem existido sozinho como obra e percorrido caminhos independentes.
A captura e postura formal do grande-formato (e do tema arquitetura, ambiente) não engessaram o ensaio como proposição poética. Nos fale um pouco sobre isso.
A escolha do grande formato vem no sentido de assumir uma postura mais silenciosa, olhar as coisas com acuidade e descrever com riqueza de informação sua superfície, nesse sentido essa escolha já nasce como proposição poética. Acredito que uma das grandes forças da fotografia é justamente sua capacidade de descrever a superfície do mundo visível, criando um objeto ou imagem que nos permite olhar com cautela. As melhores fotografias expõem sobre essa superfície algo antes intangível, que no caso da arquitetura ou dos objetos construídos tem uma relação direta com a vida a eles ligada ou sua própria estrutura e função.
No fundo existe sempre desejo de tatear uma camada mais profunda da existência desses espaços que é fundamentalmente poética. Nessa busca, os processos físicos envolvidos no uso e ajuste da câmera de grande formato me permitem, às vezes, entrar em um estado de concentração total em que nada além do o objeto a ser fotografado tem importância.
Qual a importância e influência do seu recém concluído MFA na Hartford Art School neste seu novo projeto?
O MFA na Hartford Art School foi fundamental, não só nesse projeto. Vivi ali um ambiente muito rico de troca com outros fotógrafos e artistas, entre colegas de turma e professores. Existia um ambiente de apoio e incentivo, mas principalmente de crítica sincera. Tive um forte contato com a escola Americana e Alemã de fotografia, escolas que tem na visão direta parte de sua essência. Durante todo o programa tivemos um foco muito grande na produção. Em Hartford antes de discutir ou teorizar é preciso fazer e fazer muito.
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