Foto: Héctor Mediavilla
O trabalho “Elevadoristas” do fotógrafo Héctor Mediavilla é norteado por nostalgia e candura singulares. Em princípio, este ensaio – que pode ser visto no Flickr do Paraty em Foco – mostrou-se como uma proposição enlevada a algo bem próximo da memória social. São retratos decompostos, duplos pela edição equilibrada de Mediavilla em apresentar seu ensaio em imagens dípticas. Portanto, em cada fotografia a história documentada discorre sobre o retratado e seu espaço de pertencimento social. Os ascensoristas já fazem parte do nosso imaginário das profissões que conhecemos, mas que a modernidade achata-os ao ponto de torná-los bem raros em nossa sociedade.
Entramos e saímos. Aproximamo-nos e nos distanciamos. Tudo a partir do ínfimo limite do elevador e dos tempos que se entrelaçam em estar-se dentro ou fora deles. No interior destes elevadores, os protagonistas de Mediavilla são serenos em seu ofício. Alguns, cartesianamente organizam sua “estadia” na hermética condição de suas profissões e vários objetos representam bem mais do que supomos serem curiosidades. Ao contemplar tais detalhes, vemos os índices da imagem emanarem a vida de cada um dos indivíduos fotografados. A jovem ascensorista se maquia e sua delicadeza se reflete na revistinha de vendas da Avon, estrategicamente posta em sua bancada de trabalho para futuros interessados. As televisões, a manta e as roupas de frio também são aspectos a considerar dentro desse fabuloso universo imagético documentado por Mediavilla.
O fato fotográfico escolhido pelo fotógrafo é substancialmente antropológico e não é preciso ser antropólogo para converter o conteúdo temático em documento social. No entanto, é a maneira como o fotógrafo faz isso que determina este estado. O ensaio pelo qual nos deleitamos descreve o outro em seus próprios aspectos de vida enquanto profissão. Mas é a forma como Mediavilla conduz seu envolvimento ao fotografar o outro, que atesta a tal candura que sentimos enfatizada na primeira linha deste texto. Quando isso ocorre, percebemos o respeito, a solidariedade e honestidade com relação ao outro. Não se constitui em “tirar” a fotografia, mas relacionar-se através dela com o retratado.
Quando há esse compartilhamento, o registro visual é próximo, contorciona-se no corpo do outro. O campo visual torna-se, portanto, lugar de preenchimento simbólico de ambas as partes desse processo: autor e fotografado. A força poética que constatamos das representações visuais perfazem esse percurso da convivência, de compartilhar o memento do fazer fotográfico e da fruição inexorável da troca. De imediato, ao me envolver com os Elevadoristas, me lembrei de grandes mestres do uso da imagem no campo da antropologia, são eles: Jean Rouch e Sol Worth. O primeiro adepto do cinéma partagé nos ensinou que imparcialidade não existe e a graça e riqueza do discurso etnográfico está em descobrir o outro com o outro. Já Sol Worth vislumbrou a quintessência disto tudo ao definir a fotografia como símbolo das interações humanas.
Portanto, os elevadores (lugares de transitoriedade, efêmeros em sua função) configuram-se em um limbo de solidão, de esgarçamento de um tempo que se entra e que se sai. Ficam na memória, a partir do olhar de Mediavilla, as pessoas que delineiam os símbolos de uma vida vivida em pequenas “caixas” que sobem e descem.
* Publicado originalmente no Olhavê.
Entrevista com Héctor Mediavilla no blog do 5º Paraty em Foco.