Armando Prado abre a temporada 2011 das entrevistas no Olhavê. Para quem chega por aqui agora, a seção se chama Entrevistando e já tem mais de 20 fotógrafos, curadores, críticos, pesquisadores, etc. Prado é aquela figura que o papo sempre é bom. Na verdade, o bom é ouvir o que ele tem para nos ensinar e contar. Não é à toa que alguns o chamam de professor – por sinal, profissão que ele exerce. Com uma larga trajetória na fotografia brasileira – passando pelo fotojornalismo, moda e publicidade – Prado é um grande conhecedor de livros, da história da fotografia mundial e da obra de Robert Frank. A entrevista é uma aula e ainda fomos brindados com fotos memoráveis. Por aqui, ficamos muito contentes em mostrar uma material tão valioso e pouco conhecido de muita gente.
+ Armando Prado no Olhavê, aqui.
+ do coletivo SX70, aqui.
Foto: Roberto Wagner
OLHAVÊ – Conte-nos um pouco da sua iniciação na fotografia.
ARMANDO PRADO – Eu comecei como a maioria dos fotógrafos da minha geração, influenciado pelo filme de Antonioni “ Blow Up”. Em 1970, no auge da ditadura, com poucas opções acadêmicas e de trabalho, a promessa que a fotografia parecia oferecer, surgia como uma atraente possibilidade.
Comecei a estudar a técnica, os grandes fotógrafos, os livros da coleção Time Life. Sou autodidata, montei um laboratório e comecei trabalhar para algumas revistas especializadas da época. Em 1977, através de um anúncio publicado pelo Jornal da Tarde, o clássico: “Precisa-se repórter fotográfico”, fiz alguns testes, marquei uma entrevista, fui aceito e comecei a trabalhar. Um fato curioso, é que além do portfólio eu mostrei meus contatos e o editor gostou muito, segundo ele era uma maneira de ver como eu abordava um assunto.
A experiência de trabalhar com jornalismo foi muito gratificante.
OLHAVÊ – Você foi repórter fotográfico do Jornal da Tarde numa época áurea e, ao mesmo tempo, difícil. Como foi essa experiência?
ARMANDO PRADO – O Jornal da Tarde foi uma experiência única no uso da fotografia. Todo mundo que já trabalhou em jornal diário sabe do que estou falando. O Murilo Felisberto, diretor de arte do jornal na época, foi responsável por esta fase tão criativa, moderna e ousada, que marcou época no design brasileiro. Atipografia pouca variava, era como se ela não quisesse rivalizar com a fotografia, mas apenas fornecer uma base sólida para as imagens falarem. Os anos de chumbo em que vivíamos foram plenamente recompensados pelo prazer de
ter seu trabalho esplendidamente editado.
OLHAVÊ – Você que tem grande experiência com a fotografia de moda, o que fica do exercício do olhar nesse campo?
ARMANDO PRADO – Eu não vejo tanta diferença entre a fotografia aplicada à moda, jornalismo e publicidade. O bom fotógrafo, ao meu ver, consegue transitar com desenvoltura em todos estes campos.
Vemos nos leilões, obras de Richard Avedon, Irving Penn, que foram feitas por encomenda por agências de publicidade e revistas de moda e hoje são leiloadas como obra de arte atingindo preços altíssimos.
“O Tempo, eventualmente, torna algumas fotografias Arte” – Susan Sontag.
Em outubro de 2004, quando morreu Richard Avedon, Fernando Gabeira escreveu na Folha de São Paulo: “Avedon, um mestre do seculo XX”.
A conclusão que chego é que fotógrafos de moda são, nos Estados Unidos, grandes fotógrafos em quase todas as áreas. A fotografia é um momento de esplendor na cultura norte americana. De qualquer forma, acho que é a moda que flerta com a fotografia e, desde o início, grandes fotógrafos fizeram trabalhos em moda.
Houve durante uma época no Brasil um certo patrulhamento ideológico em relação a fotografia que não fosse políticamente engajada, como disse o próprio Gabeira; “grandes fotógrafos de moda, são grandes em quase todas as áreas”. Afinal, uma foto de moda sem a legenda, é só um retrato de alguém vestindo uma roupa.
O Grande mestre retratista August Sander, é uma forte influência na moda, como por exemplo o site “The Sartorialist” cujas fotos simples e diretas, lembram muito o trabalho de Sander.
Centro de São Paulo, 1976-1977
Centro de São Paulo, 1976-1977
Centro de São Paulo, 1976-1977
Centro de São Paulo, 1976-1977
OLHAVÊ – Como Robert Frank entrou na sua vida? Efetivamente, o que faz Frank ser um reverenciado clássico da fotografia mundial? O que ele nos trouxe de novo?
ARMANDO PRADO – Foi em 1972 quando comprei o álbum dos Rolling Stones “Exile on main street” cuja capa foi feita pelo Robert Frank. Achei estranha e misteriosa. Lendo os créditos, descobri o nome de Frank e comecei então a estudar e pesquisar a sua obra.
Em 1979, eu comprei o livro “The Americans” uma reedição da editora Aperture (muito ruim, por sinal).
Várias pessoas escreveram sobre Frank, recentemente li um texto curioso: “The Americans, um triste poema feito por uma pessoa muito doente”.(sic).
Como toda grande obra exige um esforço para ser entendida, as fotos são escuras, granuladas, muitas vezes feitas sem que ele olhasse no visor. Eram contra todas as convenções fotográficas da época.
Em 1958, na edição da revista “Câmera Annual”, Walker Evans escreveu: “certamente os deuses que enviaram Robert Frank tão fortemente armado através dos Estados Unidos o fizeram, com um certo ‘sorriso’”.
O livro reside no talento de Frank para transformar fragmentos de observação em símbolos articulados, tingidos pela caústica e sinuosa visão do seu país adotivo. As fotos recorrem a símbolos de identidade nacional em especial, a bandeira americana, que aparece em cena como a protagonista de uma tragédia.
OLHAVÊ – Sobre clássicos, gostaria de começar um debate. O que torna um autor clássico? Na sua opinião, dos contemporâneos, quem serão os clássicos em 2030?
ARMANDO PRADO – O tempo.
Stendhal, autor do clássico “O Vermelho e o Negro” dizia: “Serei conhecido em 1880; e serei compreendido em 1930”.
Robert Frank não encontrou nos Estados Unidos um editor interessado em seu trabalho, o livro foi lançado primeiro na França, em 1958, e no ano seguinte nos Estados Unidos. A edição francesa, que tinha como editor Robert Delpire, ao invés de uma foto na capa trazia uma ilustração do célebre Steinberg e ao lado de cada foto um texto selecionado por Delpire, o livro tinha um aspecto de um tratado sociológico.
Quando foi lançado nos Estados Unidos, Frank eliminou os textos, e colocou uma foto na capa, o único texto era o prefácio escrito por Jack Kerouac.
O sucesso e reconhecimento só vieram anos depois, hoje o livro esta na oitava edição, fato raro tratando-se de um livro de fotografias.
O livro “Eggleston Guide”, também trilhou o mesmo caminho, inicialmente rejeitado pela crítica tornou-se um clássico, uma obra seminal.
Quem serão os clássicos em 2030? Eu apostaria em alguns nomes como: Katy Grannan, Philip-Lorca di Corcia, Larry Sultan, Ryan McGinley, Paul Graham, Taryn Simon.
São Paulo, 1977
São Paulo, 1977
Tóquio, 1986
Electra, 1992
OLHAVÊ – Como grande conhecedor de livros e da literatura fotográfica, gostaria de indicações para quem quer começar a montar uma biblioteca. (Aqui, poderíamos ter uma observação sua e uma listinha mesmo: cinco livros de fotógrafos nacionais, internacionais, livros técnicos e teoria).
ARMANDO PRADO – 20 livros para ver, ler, aprender e entender:
Coleção Time Life 20 volumes;
History of Photography, Beaumont Newall;
Modos de olhar 100 fotografias do acervo do Moma, John Szarkowiski;
The Photographers Eye, John Szarkowiski;
The Book of 101 books – Seminal photographic books of the twentieth century, Andrew Roth;
Photohistory Book volumes I e II, Martin Parr , Gerry Badger;
The Nature of photographs, Stephen Shore;
The Americans, Robert Frank;
William Eggleston Guide, John Szarkowiski;
The Animals, Garry Winogrand;
Walker Evans & Company, Peter Galassi;
Cruel and Tender, Thomas Weski;
The new topographics – photographs of a man – Altered landscape.
Robert Adams, Lewis Baltz, Bernd and Hilla Becher, Henry Wessel jr, Nicolas Nixon, Joe Deal, Frank Gohlke, John Schott, Stephen Shore;
Evidence, Larry Sultan, Mike Mandel;
Art and photography, David Campany;
Aventuras Italo Calvino (Conto; Aventuras de um fotógrafo);
As Armas secretas. Julio Cortazar. (Conto; Babas do diabo/roteiro Blow Up);
O Instante contínuo: Uma história particular da fotografia, Geoff Dyer;
A Fotografia como Arte contemporânea, Charlott Cotton;
Sociologia da fotografia e da imagem. José de Souza Martins.
OLHAVÊ – O coletivo SX70, que você participa, foi selecionado no Prêmio Porto Seguro 2010 com uma ação interessante que utiliza um signo da Polaroid como interferência. A moldurinha branca é usada para fotografar. É a experiência de fotografar sem câmera, só no olho. Qual a importância da Polaroid na sua criação e qual a sua expectativa com esses novos filmes?
ARMANDO PRADO – É interessante essa observação: fotografar sem câmera. Segundo Dorothea Lange: “A camera é um instrumento que ensina as pessoas a verem sem uma camera”.
Ao meu ver o processo de usar uma moldura branca da Polaroid, é isto. Fotografar é enquadrar e enquadrar é excluir. A importância da Polaroid no processo de criação é enorme, ela afina o olhar, ninguém sai por ai, disparando, com uma SX70, pois são só 10 chapas, o processo é parecido com uma camera 4X5. A minha expectativa em relação ao “Impossible Project” é que não vai dar certo.
Testei os novos filmes e fiquei decepcionado com o resultado.
OLHAVÊ – Vemos com recorrência que a fotografia documental tem sido a base para a produção mais experimental contemporânea. Ainda hoje, podemos recorrer a estes limites para ampliar nosso entendimento sobre a criação fotográfica?
ARMANDO PRADO – A fotografia documental tem sido a base para a produção experimental, contemporânea desde os anos 60. O artista conceitual Ed Ruscha, quando viu o trabalho de Walker Evans em especial uma imagem na qual funcionários de um cinema aparecem atravessando a rua carregando uma placa com a palavra “Damaged” escrita, foi um insight para o trabalho de Ruscha, baseado em letras.
Não vejo limites na fotografia documental afinal de contas é a primeira vocação da fotografia.
No livro 100 Fotografias do acervo do Moma, Szarkowiski escreve sobre a famosa fotografia “Studio” de Evans, na qual aparecem 297 fotos 3×4 anunciando os serviços de um fotógrafo: “Usos poéticos dos fatos explícitos, apresentados com tal reserva que a qualidade da fotografia parecia idêntica ao tema”.
Em 1977, Mike Mandel e Larry Sultan, lançaram um livro chamado “Evidence”, que trazia o resultado de uma enorme pesquisa iconográfica feita em órgãos governamentais, universidades e centros de pesquisas. Cujo material eram fotos documentais de fotógrafos técnicos, funcionários destes órgãos. O objetivo era documentar testes e evidenciar fatos, foram retirados os textos, as legendas, restando somente as fotos, muito bem impressas e editadas.
Parecem obras de artistas conceituais, o livro inspirou artistas como Fontcuberta, Boltanski, Sol Lewitt.
Abat Jour, 2004
Antônio pulando, 1994
Morandi, 2000
Electra, 1992
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