Hoje, o Olhavê completa 6 anos. Para comemorar, um perfil do fotógrafo Penna Prearo feito pelo jornalista Moracy Oliveira, que a partir de hoje é colaborador do blog.
Para mim, mais do que uma celebração.
Penna Prearo é um dos autores que estão na minha memória fotográfica. Boa parte da sua obra dos anos 1980 e 1990 foram importantes para mim. Além das revistas de fotografia, admirava os retratos de Penna na revista Bizz.
Moracy Oliveira, nome mais do que importante para o jornalismo especializado em fotografia, foi editor das revistas Iris e Fotoptica (1977 e 1982) e crítico de fotografia do Jornal da Tarde (1975 e 1990).
Um grande amigo que irá compartilhar suas ideias aqui no Olhavê.
Alexandre Belém.
* Aqui, depoimento sobre Penna Prearo que o curador Agnaldo Farias deu para Moracy Oliveira.
Foto: Marcello Vitorino
“Eu e meu neto Vinícius, na plataforma da estação de trem na cidade onde nasci”, 2010
“Sou um músico que faz fotografias”
Por Moracy Oliveira.
Ao perceber que sua autodefinição não era muito clara, o fotógrafo Penna Prearo buscou socorro nas palavras de um de seus ídolos, o músico canadense Neil Young, conhecido nos anos 70 como integrante do grupo Crosby, Still & Nash e que ainda continua na estrada. Na sua autobiografia, publicada no Brasil em 2012, o velho roqueiro desanca o iTunes e, principalmente, o seu mecanismo que permite ouvir músicas fora de ordem. Seu argumento é forte: “Lembro como eu odiava o shuffle, recurso aleatório do iTunes, porque fode com a sequência que eu passei horas elaborando. Faço álbuns e quero que as canções se combinem para criar um sentimento. Faço de propósito”.
“É isso, minha fotografia é assim, um disco que eu construo e que deve ser visto no seu conjunto, na sua sequência, é assim que eu trabalho, eu não sou aquele fotógrafo da foto única”, diz, enquanto fecha o livro do músico, não sem antes verificar a dobra na ponta da página que faz face a da citação escolhida. Meticuloso, tem o hábito de, quando sem lápis a mão para sublinhar textos que considera importantes, recorrer a dobras nas pontas das páginas como marcação. Se o que lhe interessa está na metade superior da página, dobra a ponta de cima; se está na metade inferior, é a ponta debaixo que será dobrada. O texto de Neil Young estava sublinhado.
Por trabalhar com séries narrativas articuladas, Penna vai repetir muitas vezes a semelhança dos discos com o que faz em fotografia. Enquanto o músico reúne as faixas numa determinada sequência, ele faz o mesmo com suas fotos individuais e não consegue mais vê-las de outra maneira.
Dono de um estilo singular, construído num espaço pouco habitado da fotografia brasileira, Penna Prearo é um criador sem medo de se aventurar pelo inesperado e pelo insólito, de liberar seu imaginário, de inventariar seus sonhos e de visitar permanentemente sua memória. Suas séries constroem narrativas em que interagem o “realismo” dos cenários captado pela câmera, as encenações nascidas do seu imaginário e as interferências do acaso, quando ocorrem, e da técnica, quando julga necessário. Ou podem ser apenas cenários que perdem seu significado referencial dentro de sequências inesperadas.
Esse estilo de trabalho começado na metade dos anos 80, embora de forma ainda não serial, já despertava atenção da critica no inicio dos anos 90, abrindo caminho para o seu reconhecimento.
Em 1991, ao incluí-lo na exposição Sobrecor, na Casa Fuji, em São Paulo, junto aos fotógrafos Cássio Vasconcelos e Luiz Braga, a crítica Stefania Brill questiona-se sobre suas fotos: “tela ou fotografia?” indicando que o caminho percorrido por Penna era distante do registro documental e realista ainda majoritário, naquele início de década.
Em 1993, Agnaldo Farias, professor, curador e crítico, afirma, durante a exposição Olho por Olho, no Museu de Arte Contemporânea da USP: “Não são simples registros fotográficos de fragmentos insólitos da realidade. Pertencem a um mundo eclipsado, situado à margem daquele que vemos. Um mundo cuidadosamente construído para provocar a perplexidade e o desbaratamento do olhar do espectador, um olhar travado por uma lógica que, de tão incorporada, o separa da surpresa. Para provocar essa fratura dos liames rotineiros que as coisas estabelecem entre si, o artista arma sua poética fundada no cruzamento entre a fotografia, a pintura, a dança e o teatro e, perpassando todos estes, o acaso.”
Em 1999 foi a vez do crítico, curador e pesquisador Rubens Fernandes Junior, confirmar no texto da mostra Alma de Borracha: “O que prevalece é a estranheza do conjunto, que causa perplexidade pelo momento fugaz e intrigante, que conduz ao imponderável acaso criando alegorias de um universo enigmático.”
O reconhecimento crítico era um prêmio a atitude de alterar o rumo de sua fotografia na metade da década de 80. Até então, seu trabalho pouco diferia do que era produzido pelos outros fotógrafos na linha editorial/jornalística/documental, “em grande parte preocupada em registrar e comentar visualmente as mazelas e injustiças sociais no Brasil ou, por outro lado, para enaltecer a paisagem física do vasto território brasileiro”, nas palavras de Tadeu Chiarelli, professor e atual diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP.
“Eu fotografava, mas não me sentia a vontade. Não conseguia me imaginar um Juca Martins, sempre com a câmera na mão”, confessa, hoje, se referindo ao fotojornalista independente, um dos criadores da Agência F4 e autor de fotos já históricas, como as das greves metalúrgicas no ABC paulista, dos trabalhadores em Serra Pelada e das repressões policiais a movimentos populares pelo Brasil.
Esse sentimento indefinido, misto de desassossego e desconforto com o que fazia, emergiu mais claramente após uma foto feita na movimentada esquina da Avenida Paulista com Brigadeiro Luis Antonio. Ali, enquadrou e clicou duas crianças, dois meninos vendendo cestos de palha na rua. Algum tempo depois, revendo a foto já impressa, percebeu que um dos meninos apresentava sinais de espancamento e isso o incomodou. Ele não gosta da palavra incômodo, diz que foi um outro sentimento que não sabe definir. Ainda hoje, sua voz eleva o tom ao repetir que o menino “mostrava visíveis sinais de espancamento”. Ali, soube o que não queria fazer como fotógrafo, mas ainda não sabia o que queria.
CORRER ATRÁS, SEMPRE
Nesse, e em outros momentos de indecisão se afirmam os traços mais marcantes de sua personalidade: a inquietude, a força de vontade, o “correr atrás”, nas suas palavras. “Sou como um centroavante. Posso ser grosso, caneludo, trombudo, mas estou sempre correndo, me posicionando, buscando a chance de fazer o gol”, diz, para reafirmar que estar confuso nunca significaria deixar de experimentar, de tentar descobrir afinal qual era a fotografia que poderia chamar de sua.
A metáfora futebolística faz sentido no seu enredo particular, já que gosta da plástica do esporte mas detesta as discussões em torno dele, o que não o impede de, nas noites de futebol na tv, usar o Facebook para postar mal-humoradas críticas sobre o uso das bolas coloridas em substituição as tradicionais brancas, muito mais fáceis de se ver nas transmissões. E faz sentido também porque o futebol está presente, e na gênese, em dois dos seus trabalhos: Atalhos Para o Edén e São Todos Filhos de… Deus, este último provavelmente o mais conhecido deles e com um currículo invejável de exposições ao redor do mundo.
São Todos Filhos de… Deus nasceu em paralelo a um trabalho que fazia para a revista Placar, da Editora Abril. Freelancer da publicação, havia proposto uma pauta sobre os usos dos pés no futebol para Lenora de Barros, então editora de fotografia da revista. Lenora, filha de Geraldo de Barros, lendário artista de múltiplos suportes, fotografia incluida, aprovou e mandou o fotógrafo literalmente a campo.
Era o tempo de uma legião de boleiros que se apresentavam como acima do mal por serem evangélicos. Marqueteiros, não perdiam oportunidade de atrair a atenção para a sua religiosidade em comemorações de gols e em cultos realizados em vestiários, habilmente vazados para a imprensa. Penna, conhecedor dos bastidores onde o privado não corresponde ao público, depois de um certo tempo passou a achar esse proselitismo insuportável. Coroinha na infância, católico de formação, entendia que diante dessa mentira que se afirmava verdade, ficava esquecido o principal: que todos são filhos de Deus e religião alguma é melhor que a outra.
Assim, envolvido por suas emoções, crenças e experiências, nascia o tema. Sua imaginação disparou, e no seu estilo voluntarioso de trabalhar, arregimentou amigos e conhecidos para posar, reproduziu a imagem do rosto de Jesus, tirada de um santinho que se distribui em igrejas, e começou a empreitada. A foto do time de futebol com a máscara de Jesus foi a primeira delas. Alguém sugeriu fosse feita no estádio do Pacaembu, o que foi recusado. Penna simplifica ao máximo o seu trabalho e a produção que o envolve para se concentrar integralmente em construir as imagens com as quais passou a conviver desde que o tema surgiu em sua mente, sem esquecer de deixar espaço para o acaso, elemento importante em sua obra. Essa foto, junto com outras quatro da mesma série, recebeu o prêmio aquisição num evento promovido pelo Banco J.P.Morgan em 1999.
Atalhos para o Edén, série de fotos que já se chamou Atalhos Para o Edén na Terra Prometida do Futebol, onde, claro, o futebol é o tema central, é explicado de forma direta: “ futebol é religião (uma das) fundamentalista no Brasil. Gosto da plástica do jogo dentro do campo. As possibilidades para desenvolver esse trabalho são imensas.”
São imensas e respondem a motivações nem sempre identificáveis de imediato. Recentemente esse trabalho foi ampliado com uma série de imagens captadas na tv, de Balotelli, marrento jogador da seleçao italiana e figura que o impressiona. Como descendente de italianos, ele imagina o que seja a vida do jogador na Itália. “ Pense: é negro, filho de imigrantes ganeses e adotado por familia italiana, jogador da seleção do pais que comemora seus gols gritando sou italiano. Criticam, dizendo que ele tira a camisa para mostrar que é forte. O que ele tem a mostrar senão que é um forte?”
Série “São todos filhos de… Deus” 1994-2000
O INÍCIO
Contar a história de Ariovaldo Carlos Prearo, nome de batismo, é como montar um quebra-cabeças. O presente se intromete no passado, memórias surgem sem datas e histórias se perdem pelo caminho. Foram conversas, telefonemas, emails. Mas, entre a narrativa seletiva e a realidade, sobra sempre um vazio, as peças que ficam faltando.
Nasceu em Maylasky, km 53,794 da EFS-Estrada de Ferro Sorocabana, em setembro de 1949. “Anote ai, completo 64 no dia 30”, faz questão, ele que tem o hábito de todo dia pela manhã cumprimentar seus amigos aniversariantes do Facebook. É hábito que virou espécie de tradição em sua página, a ponto de ser cobrado quando, por algum motivo, não pode fazê-lo. Espera retribuição na sua data, é claro.
Mailasqui, grafia atual que desperta sua ira – não podia mudar, é nome de gente, sobrenome de um dos criadores da estrada de ferro – não era mais que um pequeno povoado em torno de uma estação, e ele acabou registrado em Itapevi, a 35 quilômetros de São Paulo, onde passou a infância e parte da juventude. “Vivia com um olho no gato e outro na sardinha, louco para cair fora de lá”, costuma dizer.
Filho e neto de ferroviários, cresceu ao lado de ferrovias, locomotivas e vagões, temas recorrentes em suas fotografias. Desde pequeno seguiu o enredo reservado aos filhos de trabalhadores, com escola obrigatória e trabalho, os dois ao mesmo tempo. Ainda criança, defendeu seus primeiros trocados na paróquia da cidade, como coroinha. Acompanhava o padre em batizados, crismas, casamentos, velórios e missas, recebendo pelas participações. “Na missa, o pagamento era maior”, lembra.
Em uma de nossas conversas, ao falar do trabalho Linha do Tempo Interrompida, de 2004, série de fotos focadas em cruzes de estradas que sinalizam mortes ocorridas naqueles locais, a memória desses velórios veio a tona:
“Fui criado numa época em que se fazia velórios na casa do morto, salvo exceções trágicas; durante meu tempo de coroinha ajudei inúmeros funerais que passavam pela igreja, e em missas de corpo presente. Tive um tio trombonista que morreu num acidente de carro num domingo de ramos, pré-páscoa. Me tornei fotógrafo e minha memória afetiva saiu garimpando coisas que eu já tinha vivido muito tempo antes. O tal “ver além de olhar” não trata só dos olhos que de fato enxergam. Foi assim desde o começo dos meus ensaios e continua até hoje”.
Aos 12 anos, trabalha de ajudante na Farmácia Popular ainda em Itapevi. Dois anos depois já sabe de cor o nome de todos os componentes utilizados e onde estão localizados. Como, nessa época, muitos dos remédios mais simples ainda são manipulados, tem o seu primeiro contato com um laboratório. “ Fazia até iodo, mercúrio”, jura. Mas o melhor de sua lembrança desse período, que dura até os seus 19 anos, é o de ter se tornado o responsável por buscar as compras da farmácia em São Paulo.
Uma ou duas vezes por semana, bem cedo, desembarcava do trem na estação Júlio Prestes, atravessava a região da Santa Ifigênia, Rua XV de Novembro, até chegar ao prédio da Drogaria São Paulo, na Praça da Sé, ao lado do depois também implodido Palacete Santa Helena, edificio que havia abrigado o grupo Santa Helena de pintura, de Volpi, Rebolo, Aldo Bonadei, informação que passava longe do seu repertório. O caminho da volta dependia do volume e peso das compras. Se leve, flanava pela Rua Direita, Viaduto do Chá, Rua Sete de Abril, Praça da República. Se pesado, escolhia o caminho mais curto. Era uma aventura para os seus 14 anos. Gostava de estar na cidade, gostava do cheiro matinal que envolvia as ruas quando o trânsito começava, gostava da garoa que, garante aos mais incrédulos, existia sim. E a noite, na escola que frequentava em Itapevi, cometia alguns poemas e textos que não mostrava à ninguém
De fotografia, o que conhecia eram os chamados fotógrafos sociais trabalhando em casamentos e festas, retratos de família, poses de times de futebol e capa de discos. A de Rubber Soul, dos Beatles, em 1965, é uma cuja história repete sempre: “nessa capa fotografada por Robert Freeman está a pista que determinou meu rumo para a fotografia; a distorção obtida foi por causa da projeção das fotos numa folha de papel na parede que, ao escorregar, ficou de um “jeito” que os FABFOUR gostaram”.
Um pouco mais tarde, já deixando a farmácia, ganhou de uma tia-madrinha uma Yashica 120 D, câmera-caixão, prima pobre da Rolleiflex, e com ela fotografou alguns aniversários e festas. Seu destino, no entanto era São Paulo, para ele a cidade dos cheiros e oportunidades.
ESSA CÂMERA NÃO
Em 1969 está empregado na distribuidora de revistas da editora Abril, depois de passar por uma oficina de conserto de máquinas de escrever e por um departamento fiscal de uma empresa de material de desenho, onde lançava impostos. Tem a função de pesquisador e percorre diariamente as bancas, preenchendo dados em relatórios. É um trabalho maçante que ele quer trocar por uma atividade criativa, o que identifica na profissão de fotógrafo. Decide ser um, mas a rígida estrutura da Abril impedia mudanças de áreas e não lhe permitiria realizar essa vontade.
Como não é de desistir, foi tentar. Queria ao menos saber como se tornar fotógrafo. Aproveitou a entrega de um malote e desembarcou no prédio da Marginal Tietê disposto a subir ao departamento de fotografia. No saguão dos elevadores, avistou um fotógrafo com sua câmera pendurada nos ombros e resolveu começar ali mesmo a perguntar. Se apresentou, disse que queria ser fotógrafo e que tinha uma Yashica 120D. A resposta do fotógrafo, em tom gentil, foi: “em primeiro lugar, com essa câmera não dá, você precisa de uma 35 mm, que é ágil”. Em seguida o desconhecido lhe deu inúmeras dicas e indicou loja e gerente amigo para que ele fosse visitar. O repórter-fotográfico e seu primeiro conselheiro foi João Bittar, fotojornalista conhecido e reconhecido nas redações dos principais jornais e revistas brasileiras, e de quem ficou amigo até a recente morte dele, em 2011.
Foi difícil, mas pediu demissão da Abril e correu até a Fotoptica, comprar sua primeira câmera 35 mm. “Era uma Ashai Pentax Spotmatic comprada a prestação, para pagamento em 36 meses. Meu ex-chefe na Abril, Dagmar Dias Guadalupe, uma pessoa que me incentivou muito, foi meu fiador”.
Sua próxima parada é a editora Arte & Comunicação, de onde se aproxima e acaba se tornando um ajudante faz-tudo. A vantagem era que a editora, de vida curta e publicações reverenciadas até hoje, como Revista de Fotografia, Bondinho, Jornalivro, Grillo, reunia uma talentosa equipe de jornalistas, muitos oriundos da antiga Realidade, e fotógrafos como George Love, Cláudia Andujar, Lucio Kodato, gente com quem passou a conviver diariamente. Já chamado de Peninha, foi também ali que conheceu o amigo, hoje professor e crítico Agnaldo Farias, “um redator magrinho e cabeludo”, na casa de quem passou a morar alguns dias da semana. Não era um fotógrafo, apesar de carregar a Pentax para todo lado. E ainda voltava para casa, em Itapevi, para pedir a benção da mãe, lavar a roupa da semana e por o cachorro Duque para dormir.
“Eu tinha vergonha de dizer que era fotógrafo. Já fazia algumas fotos por ai mas não tinha coragem de dizer: eu sou fotógrafo”.
Foi por essa época teve a primeira aprendizagem sobre laboratório fotográfico. Indicado por um vizinho, chegou ao Fotorama, no bairro do Braz, em São Paulo, em frente a Casa Leslie, especializada em vestidos de noivas. Quando chegava uma noiva, a loja ligava para o laboratório e um dos sócios ia lá fotografar para depois oferecer as imagens a moça. Ali aprendeu revelação, ampliação e o trabalho básico em laboratório com o sócio Sergio Silva. E também os seus riscos, como quando velou uma enorme caixa de papeis sensíveis e só não foi demitido porque o trabalho era informal.
Tim Maia, 1972
UM TELEFONEMA, O ACASO, E FINALMENTE FOTÓGRAFO
Como estava perto do telefone, atendeu.
– Alô, é do Prova Filmes? Queria falar com o Peninha.
– Sou eu, pode falar.
– Pode emprestar um equipamento que está faltando aqui no estúdio para a gravação de um disco?
– Ah! você quer falar com o outro Peninha, o do som.
– Tem dois Peninhas ai? E você, é o Peninha do quê? Faz o quê?
A garganta apertou, o coração acelerou, mas pela primeira vez assumiu.
– Eu sou fotógrafo.
– Que bom. Estou precisando de um para fotografar aqui no estúdio, durante a gravação, e não tenho ninguém. Quer vir?
– Vou.
Do outro lado da linha, Célia Macedo, do Estúdio Eldorado, desligou.
Levado por amigos, Peninha frequentava quase diariamente a Prova Filmes, do multitalentoso Beto Ruschel – produtor musical, de cinema, compositor. Era ponto de encontro de artistas, produtores e agregados como ele, que ajudavam no que precisasse. Confessa que aprendeu, “de verdade”, a ver arte com Ruschel, de quem ouviu, pela primeira vez, o nome de Alexandre Calder. Ali também conheceu o outro Peninha, o procurado no telefonema, o Peninha Schmidt, produtor musical que tem seu nome inscrito em vários dos principais discos de músicas feitas no Brasil, e na casa de quem também morou durante algum tempo.
Era o centroavante bem posicionado para as chances de gol que viriam a seguir.
Zico Prieste, arquiteto, artista plástico, e amigo dessa época do Prova Filmes, não se conformava em chamá-lo de Peninha. Achava esse inha final muito ruim, diminutivo, além de permitir confusão com o outro Peninha. Numa conversa, propôs: por que não Penna, com dois enes? Ariovaldo, que já era Peninha, topou na hora e começou a treinar a nova assinatura: Penna Prearo.
RIO, AQUELE ABRAÇO
Ao sair do Estúdio Eldorado naquela tarde em que se tornara oficialmente fotógrafo, no início de 1972, Penna Prearo levava no bolso um convite: ir ao Rio de Janeiro fotografar para a capa de um dos primeiros discos de Tim Maia, o cantor que estivera fotografando no estúdio. Foi, fez, e iniciou uma longa carreira de retratos de artistas, fotos de shows, peças de teatros, capas de disco e revistas.
Esse primeiro trabalho ele comemorou com os pais, levando para casa duas sacolas enormes, com vinhos, queijos e guloseimas para um banquete familiar especial.
Alguns meses depois o Rio de Janeiro iria provocar uma outra mudança em sua vida. Ao acenar pedindo a parada do ônibus da linha 434 – Grajau-Leblon, não podia imaginar que dentro dele vinha aquela que seria sua primeira esposa, a mãe de seus dois filhos e avó de seus três netos. Não muito tempo depois estava casado e, depois de breve período em São Paulo, morando no bairro do Flamengo, no Rio. Hoje está no quarto casamento e não arreda pé, ha 20 anos, do sinuoso bairro do Sumaré, em São Paulo.
A linha 434 iria novamente se intrometer em sua vida, desta vez fotográfica. Era por ela que seguia, junto com o fotógrafo carioca Ricardo Jochen, para a casa dele, no final da linha, onde passavam noites no laboratório. Freelancer da Veja, no Rio, Jochen foi, durante um tempo seu mestre. “Ele sabia tudo de revelação, de quimica fotográfica, tipos e gradações de papéis, de revelações especiais, além de ser ótimo fotógrafo. Com ele, aprendi de fato o que era um trabalho em laboratório”, fala, com saudade do amigo que incompreensivelmente cometeu suicidio quando tinha apenas 25 anos. Em setembro de 1977, a extinta revista Iris publicou um contundente ensaio sobre personagens do carnaval, feito por Jochen.
INQUIETUDES E REINVENÇÃO
A exposição Itapevi – Primeira Parada, realizada no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, em 1981, elimina definitivamente os ensaios documentais/sociais e o uso do preto e branco de sua agenda. É um momento de incertezas e muitas dúvidas.
“Depois dela me sentia perdido”, lembra ao contar sobre esse período que vai durar até 1984. A opção pela cor, por si só, não lhe dava a resposta, embora lhe oferecesse a oportunidade de experimentar e ousar, mas, ainda, sem resultados que o convecessem. Atingido por uma crise de indefinição estética, um relacionamento afetivo terminal, dúvidas existenciais, confessa que claramente não sabia o que fazer.
Era uma época de procurar e ouvir os amigos, e ele se orgulha de ter muitos. Daniel Ausgusto Jr., é um deles: “usávamos o mesmo laboratório e sempre que nos encontravamos ele me dava a maior força, falava do meu trabalho, sugeria que eu trocasse minha Pentax por uma Nikon. Foi importante para mim.”
O repórter-fotográfico Daniel Augusto Jr, atualmente fotógrafo do Corinthians, não esconde sua admiração pelo trabalho e pelo amigo que chama de Peninha, “com autorização dele” faz questão de ressaltar. Dessas conversas, ele não lembra com clareza mas ressalva, emocionado: “eu sempre, sempre e sempre, achei que o Penna não era do nosso tempo. Sempre falei isso para ele. Não sou um profissional como temos muitos por aí, que conhecem a fotografia a fundo, conhecem todas as escolas, todos os fotógrafos. Tenho pouca bagagem cultural, sempre direcionada ao fotojornalismo. Mas desde sempre, vi nas aberrações cromáticas do Penna, obras para serem expostas em Nova York. Não sei se elas são inspiradas em alguém, se foram plagiadas de alguém. Quando olho para elas, o mundo surrealista de André Breton se descortina. Um dos trabalhos mais lindos que ele fez foi para a Placar, e entra na minha área, foi de um time posado do Corinthians no Pacaembu, se não me engano, em frente às arquibancadas laranja (claro que não seriam nas cinzas). Só que não era o time do Corinthians: eram modelos que seguravam ampliações 30×40 em frente aos seus rostos, dos jogadores do Corinthians. Wow!!!”
Daniel lembra também que Penna carregava de um lado para outro uma caixinha com fotos 10×15, fotografadas com filmes cromo, positivos, e reveladas no processo C41, um revelador próprio para negativos, o que provocava as aberraçoes que ele percebia. Penna confirma: “andava sim com essa caixinha cheia de fotos, mostrando para os outros. Fiquei até conhecido por isso”.
Certa vez, ainda nessa fase, em um encontro com Agnaldo Farias na Padaria Real, junto ao prédio da antiga TV Tupi, esparramou na mesa todas as fotos dessa caixinha para que Agnaldo visse, comentasse, lhe indicasse algum rumo. Agnaldo, surpreso, olhou para aquele monte de imagens espalhadas a sua frente e pediu: “tudo bem Penna, eu olho, mas primeiro organize”.
“Eu era mesmo muito desorganizado, e isso só mudou de fato quando eu cheguei ao formato das séries, que exigem articulação, organização”.
Em 1984 surgem os primeiros sinais do que chama de seu “turning point”, seu ponto de inflexão. Ao olhar mais uma vez um filme cromo feito um ano antes, na cidade de Extrema, em sítio de amigos, duas imagens que haviam sofrido mudanças com a entrada de luz chamam sua atenção. Antes disso, as duas eram apenas “erradas”, frutos de acidente. Agora as alterações sofridas lhe pareciam interessantes, tinham aspectos de cor, definição, transparência, que mereciam ser desenvolvidos. Sentiu que ali havia um caminho.
Assim começou a nascer as imagens de Transmutantes, ensaio de narrativa fragmentada, com fotos de cores distorcidas, luzes marcantes, invasoras e personagens perfomáticos, estilo que começa a identificar o fotógrafo a partir dai, tanto no circuito de exposições como na área editorial, onde já circulava profissionalmente desde a capa de Tim Maia.
“Passaram a me chamar muito mais por causa desse meu trabalho paralelo, queriam fotos naquele estilo, naquelas cores.”
MÚSICA & MEMÓRIAS
A primeira coisa que se nota em um encontro com Penna Prearo são os fones de ouvido e o cabo plugado num tocador de mp3 em um dos bolsos. Gosta de caminhar ouvindo música, trabalha com música, “também com silêncio”, frisa, e vive indicando música para os amigos em sua página no Facebook. Ouve de tudo, e sempre Beatles e Thelonius Monk. Justifica citando Nietzsche: “a vida sem música seria um erro”.
Em sua memória costuma revisitar capas de elepês que o impressionaram pela fotografia. A imagem distorcida de Rubber Soul, do Beatles é sempre a primeira que cita. E a foto de Pete Turner para o disco Prelude, do maestro Eumir Deodato, está sempre presente por ter as cores que viriam a influenciar suas fotos.
Num gelado começo de noite de agosto, depois de cruzar com músicos mais e menos conhecidos, topamos com o rapper Rappin´ Hood, que voltava de uma incursão aos estúdios da MTV, onde fora copiar apresentações que tinha feito naquele canal. Depois de um começo formal, a conversa chegou ao tema trombone. Rappin´Hood é também trombonista. Animados, os dois falaram de técnicas, de acessórios e de sons possíveis de se tirar de um trombone. Ao final o rapper informou que iria tocar com a Banda Marcial de Mairiporã, cidade vizinha a São Paulo e combinaram uma ida até lá, juntos.
Terminada a conversa, Penna recostou na cadeira e permaneceu calado por algum tempo, olhar preso no escuro da noite. De repente me perguntou: você viu? Eu não soube o que responder.
Dias depois, questionado sobre o que estivera vendo naquela noite, se estaria já antecipando mentalmente algum novo ensaio, respondeu que não sabia, nem tinha percebido que havia ficado em silêncio. “A gente estava falando de trombone, eu gosto do instrumento, do som do instrumento, eu tive um tio trombonista que morreu num acidente”.
Há alguns anos Penna fotografou o trombonista Raul de Souza em meio a uma ferrovia.
Série “Jornada do Alumbramento de Apollo”, 2004-2013
EXPOSIÇÕES, O RECONHECIMENTO DO CIRCUITO
A sua presença no circuito de exposições, uma das portas de entrada para o mercado de colecionadores, se deu aos poucos, com ensaios e séries feitos a margem de seu trabalho profissional. Coleciona hoje um número significativo de mostras individuais, participação em coletivas, acervos, coleções e publicações. Até o final de 2013 incluirá mais uma individual nessa lista, desta vez na Galeria Lume, que o representa, em São Paulo.
Algumas delas são importante por significarem ou o fim de um estilo de trabalho, caso de Itapevi-Primeira Parada, ou por confirmarem o acerto de suas escolhas e mudança, caso de Sobrecor, na Casa Fuji, ou mais a frente, em 2003, quando, a convite do então curador de fotografia, Rubens Fernandes Jr, participou de Ordenação e Vertigem, uma mostra reunindo musica, dança, artes plásticas, organizada em homenagem a Arthur Bispo do Rosário. Hoje confessa que depois dela saiu “encorajado e se sentindo, de fato, participante do circuito de exposições”.
Em 1999, a participação num evento de nome tão grande quanto sua pretensão acabaria, dois anos depois, colocando suas fotos ao lado de outro de seus idolos, o fotógrafo Duane Michals, em Frankfurt, na Alemanha. Tudo começou com um convite da curadora Isabel Amado para uma exposição no MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, patrocinada pelo Banco J.P. Morgan sob o nome de O Brasil no Final do Século e as Perspectivas Para o Próximo Milênio, e terminou com o recebimento do prêmio aquisição por sua série de 5 fotos, São Todos Filhos de… Deus.
Após o prêmio, Isabel Amado intermediou a publicação dessas fotos na revista 55, atual S/N, editada pelo fotógrafo Bob Wolfenson. Luzia Simons, multiartista brasileira, moradora na Alemanha, viu a revista e logo associou o trabalho de Penna Prearo a uma exposição que estava sendo organizada no país. Contatos feitos, lá foram as fotos de São Todos Filhos de… Deus para se integrar a exposição Vollbart, langes Haar… Das Bildnis Jesu Christi in der Fotografie (Barbudo… Cabeludo A Imagem de Cristo na Fotografia). “Estão ao lado das fotos do Duane”, informou Luzia, provavelmente imaginando o impacto que causaria no fotógrafo, e que de fato causou. Esta é uma história que ele conta com orgulho.
E reage da mesma forma ao falar dos conselhos que recebeu de Wendy Wattris, diretora e curadora do Fotofest Houston, no Texas, um imenso festival bienal de fotografia e artes relacionadas. Em 1995, durante uma reunião na casa da fotógrafa Lily Sverner, Wendy o puxou para o lado e, demonstrando conhecer as primeiras imagens da série São Todos Filhos de… Deus, disse que era um trabalho forte e que, para não perder a força, não deveria expandí-lo muito.
Penna levou a sério o conselho e encerrou o ensaio em 2000 com 10 fotos. Essa é uma das poucas que considera terminada e, curiosamente nunca foi exposta completa, apesar de registrar quase duas dezenas de mostras na sua história.
DOS NOMES E DAS SÉRIES
Até serem impressas ou expostas, as séries de Penna Prearo ficam numa fila de cartório, a espera do nome e registro definitivos. Os primeiros que surgem são retrabalhados, sintetizados, ou simplesmente cortados, numa mutação constante, até atingirem a concisão poética, conceitual que ele julga a mais apropriada.
Penna gosta de citar Carlos Drummond de Andrade para explicar o seu processo ao dar nomes. Segundo ele, o poeta, perguntado sobre o seu processo de escrita, respondeu: primeiro eu escrevo, depois corto, corto, corto e corto.
E foi o que ele fez, por exemplo, com SINADUBIA, não sem antes avisar para que se preste atenção sobre o uso de de minúsculas e maiúsculas na construção de seus nomes, artificio gráfico que gera níveis de leitura e valoração diferentes sobre as palavras.
Essa série, centrada sobre a perda do horizonte, do emparedamento que caracteriza a vida em grandes cidades, começou sob o nome dos devaneios em SINADUBIA e durante o desenvolvimento acabou reduzido a SINADUBIA, mas acompanhado de um texto: “Entenda SINADUBIA na mesma linha das míticas Eldorado, Xangrilá. Em Sinadúbia não haverá redenção, só rendição”.
Ballerinas, exposta na SP Arte/Foto 2013, é um outro exemplo. Múltiplo de 49 fotos, explora estéticamente os movimentos de uma dançarina imaginária, representada por um mosquiteiro de tule solto ao vento. No seu inicio era chamada de Lácrima Ballerina. Ao reduzir para Ballerinas, ampliou o conceito registrado nas imagens e permitiu uma leitura mais poética da obra.
Os nomes demoraram a fazer parte de seu trabalho. Penna registra que nunca gostou de fotos com nomes. Em 1997 teve que se render a eles. Numa troca de favores com Luiz Lana, um expert em informática, ganhou o seu primeiro site. E no site, Lana insistia, era necessário que as fotos recebessem um nome, uma identificação. Concordou a contragosto e sob a condição de poder mudar o que não gostasse. Não gostou e se envolveu num processo de busca de nomes que se integrassem aos seus ensaios.
“Para mim o nome passou a ser importante, tem que ser uma síntese poética, instigante, aleatória, as vezes tudo ao mesmo tempo”.
Carrossel para Kubrick, por exemplo é um tanto aleatório. De acordo com Penna, é a história de um cavalo que quer se livrar do carossel mas não tem facilidade, não tem como. Carrosséis fizeram parte de sua infância de frequentador de parque de diversões. “Precisava de um nome forte. Pensei antes em Stanley mas fiquei com Kubrick. É uma homenagem”.
Os exemplos são muitos: EGO ZERO Quem você pensa que é?, Jornada do Alumbramento de Apollo, Capturando Icebergs, GRANDE AQUARIO para pequenos tubarões e uma dezena de outros. pois ele é o que se chama autor prolífico. “É que estou vivo e operante”, apressa-se em dizer.
Chegar ao formato série também demorou. O fotógrafo com “enorme capacidade de desorganizar qualquer coisa” flagrado lá nos anos 80 por Agnaldo Farias ainda continuou por um bom tempo. Suas fotografias eram apresentadas apenas uma ao lado da outra sem que se estabelecesse algum tipo de coerência ou discurso. Tanto que, em 1991, Stefania Brill avisou: “Penna, fotógrafo precisa de editor”, fato que conta imitando a voz e sotaque da crítica de origem polonesa, mas brasileira por opção, falecida em 1992.
CAIXA PRETA
Maria Eduar entende que Penna Prearo está precisando de um bom “puxão de orelhas” pois nessa sua ânsia de produzir e produzir ainda acaba se tornando um personagem de si mesmo, o que seria lamentável, e arriscado, para um fotógrafo talentoso e criativo como ele, que conheceu em 1990, quando gerenciava o projeto de uma galeria que se instalara na passagem subterrânea, em frente ao cine Belas Artes, na rua da Consolação, em São Paulo.
Consultora na área de estratégia e inovação empresarial depois de um longo período europeu, ela vê com apreensão o atual momento do fotógrafo e amigo e diz que esta seria a hora da entrada em cena de um curador antenado, experiente, para extrair dessa agora volumosa produção o que realmente é obra de artista e deixar de lado o que é apenas redundância, falso.
Para ilustrar sua preocupação ela se utiliza do título de uma exposição do Centro de Fotografia de Genebra, realizada em julho passado, FalseFake. No trabalho de Penna Prearo ela diz que o “falso verdadeiro” está lá atrás, na caixa preta que ele carregava para mostrar as fotos a quem se dispusesse a ver. Lá tinha o rock-and-roll, a década do medo e opressão, o sexo, as drogas, e principalmente o grito de “me larga, me solte” que eu quero estar no mundo ao meu jeito. O delirio dele englobava o delírio de todo mundo. Eram imagens falsas, distorcidas, teatralizadas, que chutavam para longe a estética vigente, mas eram verdadeiras na sua representação de algo que era real mas não visível”.
Nas séries que ele tem lhe mostrado, vê que, agora, o falso continua sendo falso, ilustrado por um certo “barroquismo”, por um perigoso flerte com o mau-gosto e com nomes artificialmente inspirados. Dos atuais e poucos múltiplos, ensaios, séries que conhece, o que faz questão de frisar, ela só identifica o Penna Prearo que captava, e construía imagens do delírio e imaginação de uma época, e não só os seus, em Linha Interrompida do Tempo, com as cruzes a beira de estradas, em. GRANDE AQUARIO para pequenos tubarões e em Ballerinas. Nos outros ela só vê uma volúpia de produzir, com todos os riscos do exagero, do supérfluo. “Boa parte dessas séries se resume a uma foto só, como em São Todos Filhos de… Deus, em EGO ZERO. Quem você pensa que é. A serialização delas são apenas redundantes, banalizações que corroem a força que uma delas só teria. Não sou da área de fotografia, sou amiga do Penna e é como amiga que falo que ele precisa urgente de um curador”, diz, amplificando observações já feitas, em tons menos diretos, por Stefania Bril em 91 e Wendy Wattres, em 95.
O currículo de Maria Eduar registra um curso incompleto de Filosofia na Universidade de São Paulo, produção cultural, produção na área de moda, entre outras atividades. Registra também ter sido a produtora do que ela chama de “pequenos editoriais” com o fotógrafo em 1990. “Eu lembro que ele me procurou na passagem subterranea da Consolação, levando a caixa preta cheia de fotos maravilhosas”.
Penna confirma que foi assim mesmo e que ela depois de se encantar com suas fotos topou realizar alguns trabalhos com ele… “É a pessoa mais produtiva que conheci”, elogia. Em quatro ou cinco sessões produzidas por ela, com atrizes performáticas, guinchos automotivos, instrumentos musicais e em lugares tão inóspitos como túnel 9 de Julho de madrugada e embaixo de pontes na Marginal, foram dezenas de fotografias.
“Ele parecia tomado, em transe. Entregue as suas emoções, entrava em extase muito fácil, e fotografava sem parar, rodando o cenário e modelos e disparando, rodando e disparando”, lembra Maria Eduar. Partes dessas produções foram registradas em VHS pela diretora Tamara Ka e recentemente se transformaram em dois videos que tiveram a edição digital da mesma Tamara. Eles podem, e devem, ser vistos aqui http://www.youtube.com/watch?v=-8rui_T8WSw e aqui http://youtu.be/gW2EDcIsqOw.
Série “Nefelibatas”, 1984-1995
Série “Transmutantes”, 1984-1995
EDIÇÃO: O MÉTODO
Em uma manhã recente, Penna praticamente me tirou da cama. Pelo telefone, ansioso, queria contar: “aconteceu agora, você precisa ver, é um novo trabalho, Fracas Estrelas que Abato a Tiros, e tem ligação com um outro feito lá atrás, em 2003, quando o Rubens (Fernandes Jr) me convidou participar da exposição em homenagem ao Arthur Bispo do Rosário. Eu estava vendo algumas fotos noturnas do céu, que fiz ha alguns dias, e lembrei de um poema que acompanhava a foto que mostrei naquela exposição – tempo estranho/fracas estrelas/que abato a tiros. De repente vi que essas estrelas estavam ali, naquelas fotos. É um triptico”.
É impossível afirmar que este é o mais novo trabalho do fotógrafo pois ao final deste texto ele já terá feito ou iniciado outros, já que não para e vive tomado de um “fluxo mental” inesgotável, trabalhando todos os dias sobre seu arquivo, sobre novas fotos, revendo as séries que ainda se encontram em desenvolvimento.
Aproveitar o acaso é uma de suas formas de fotografar. No exemplo mais recente, trata-se de Incertos Insertos, nome provavelmente provisório, já que dias antes se chamava Insetos Insertos. Foi assim.
Penna, amigos e filhos dos amigos seguiam por uma trilha nos arredores de Atibaia onde iria fotografar o céu limpido daquela região, há 60 quilômetros de São Paulo. Em certo momento da caminhada, a filha dos amigos, a menina Sofia, apanhou do chão uma folha enorme, toda perfurada por insetos, e colocou sobre o rosto. Imediatamente, Penna pegou a câmera e pediu que a menina mantivesse a folha sobre o rosto e dirigisse o olhar para um ponto distante da câmera. Em seguida pediu aos outros que acompanhavam a caminhada que fizessem o mesmo. Assim nasceu essa série que está lá nos seus arquivos, esperando ser lapidada.
Seu processo de trabalho também se vale do arquivo como inspiração, assim como aconteceu em 84, com Transmutantes . Ao revisar suas fotos, em 2010, Penna encontrou uma imagem de 1989, uma mulher vestida de branco. Foi o que bastou.
Recém-saido de uma cirurgia, foi passar alguns dias em São Luis do Paraitinga, no sítio de Camila Gauditano, filha da amiga Rosa Gauditano, fotógrafa ligada as causas indígenas e a divulgação de tradições e cultura popular. Sem poder carregar peso, levou câmera e apenas o mosquiteiro de tule que serve de modelo na obra. No caminho de terra, percorrido a pé, encontrou uma vara de pescar. Tinha a luz límpida do interior, o vento, o tule e a ideia na cabeça. Colocou o mosquiteiro na vara de pescar e deixou que o vento fosse construindo as imagens aleatóriamente enquanto clicava. Foi o começo da série Ballerinas.
Como não dirige, Penna sai para fotografar na carona de amigos. Nessa carona estão sua câmera, tripé, cabeça de Apollo, mosquiteiro de Ballerinas e qualquer outro acessório que seja parte de alguma de suas séries. Ele nunca sai para fotografar apenas uma. Quando sai, dá continuidade as várias que mantém em constante ampliação. E são muitas. Ao voltar, e depois de descarregar as imagens no computador, começa um processo de escolha e separação de acordo com as séries. Para ele, as possibilidades de surgimento de novas séries durante essa fase são enormes, como aconteceu com as imagens de céus estrelados.
Seus trabalhos, salvo pequenas exceções, dificilmente podem receber o carimbo de concluídos. Essa postura desagrada galeristas que sabem das exigências do mercado por uma obra terminada. Penna até concorda com eles, pensa no assunto, mas pergunta: “será que se pode pedir a um artista que pare, que dê por terminada uma obra que ele gosta de fazer, de continuar fazendo?”
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