O que mais fotografar?

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Foto: Minor White, Windowsill Daydreaming, 1958

A imagem fotográfica é um jogo de visão de mundo e imaginação. E nisto reside toda a complexidade de quem capta e a apreende visualmente. Pois, se ela é o registro de um tempo e de um espaço, de objetos ou pessoas, será irremediavelmente memória de expressão cultural e de significado simbólico. Ou seja, ela também poderá ser tudo e nada. A dimensão subjetiva da fotografia se dá entre o real e a ficção, entre a realidade visível e a construção de um novo realismo, e tudo isso pode vir a ser muito surreal. Não falo do surrealismo enquanto estilo artístico, mas sim, da realidade movediça que se apresenta concreta enquanto índice visual. O que vemos a partir da imagem são as causas e os efeitos dela própria em nosso olhar.

Por certo, a fotografia documental reafirma a realidade. Mas não só isso, ao reconduzir o real, uma nova dimensão perceptiva se coloca diante de nós. Sem dúvida, a superfície da imagem é a representação da coisa em si, sua quintessência; entretanto, ela é também, muito além da questão do tempo inerente à natureza fotográfica, intensidade, reciprocidade, atitude, a força do hábito e das idéias de quem faz a imagem fotográfica existir. Se tudo já foi fotografado e o nosso entorno é passível de registro, se as temáticas são recorrentes e os gêneros fotográficos (como o fotojornalismo) inexoráveis, o que fazer ainda através da fotografia?

A resposta está na autenticidade. Chegar a ela é refutar o lugar-comum, exercitar a experimentação e dialogar com o que já se produziu até então. De modo, que é preciso reconhecer o poder sensível das coisas e dos fotógrafos. Não há nada mais sugestivo e envolvente do que observarmos a subjetividade de criação de quem fotografa. São os estilos estéticos que delineiam a identidade autoral das imagens fotográficas. Nesse sentido, a escolha de um tema e a forma como desenvolvê-la irão criar um repertório de significados para o olhar do outro de maneira mais efetiva, penetrante, ou não. Ao falarmos de estilos, várias foram as perspectivas de apropriação de temáticas comuns aos fotógrafos. Em outros termos: soluções técnicas habilidosas, possibilidades estéticas geniais e poéticas desafiadoras.

A idéia e a técnica são vetores fundamentais à fotografia, mas há de se pensar em como captar o seu entorno. E para tanto, é preciso ser fiel e autêntico a sua própria acuidade perceptiva e, paradoxalmente, também desconfiar sempre dela. O olhar de quem fotografa tem grande possibilidade de promover armadilhas e banalizar-se, de deixar-se acomodar pela prática e seus mecanismos técnicos. Cabe lembrar que os artifícios da câmera (seja analógica ou digital) são os meios para que seja possível expressar-se através da linguagem fotográfica. O resto é pura consciência crítica e compromisso em desvelar novos caminhos para nossa contemplação. É reconfortante lembrar as palavras do filósofo Maurice Merleau-Ponty: “O espírito do mundo somos nós, a partir do momento em que sabemos mover-nos, a partir do momento em que sabemos olhar”.

Desde sempre a expressão fotográfica instaurou novos parâmetros estéticos. Na intencionalidade em fotografar, pode-se vislumbrar muitas respostas para isso. Assim, nunca fomos ou seremos onipotentes ao fazer fotográfico. A profusão desta linguagem (seja ela artística, documental ou fotojornalística) revela-se ao transcodificar os signos e convertê-los em algo imperceptível na realidade, reconduzindo esta mesma realidade para o plano imaginário do irreal, improvável e desconcertante. Será nessa nova perspectiva que nos encontraremos. Certo está o fotógrafo Duane Michals quando disse: “Eu sou um reflexo fotografando outros reflexos com seus reflexos… Fotografar a realidade é fotografar o nada”. Sempre foi o momento de surpreender o outro e a si próprio.

* Artigo publicado hoje na página de Opinião do Jornal do Commercio.

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