Um diálogo contaminado

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Fotos: Christina Rufatto/Divulgação

Seminário com Serge Tisseron

Um diálogo contaminado: Serge Tisseron e Ronaldo Entler

por Georgia Quintas, São Paulo

Serge Tisseron e Ronaldo Entler estiveram na mesma mesa ontem, durante o segundo encontro do Seminário Internacional de Fotografia. Duas apresentações brilhantes, profundas e complexas. Diante da convergência de idéias que nos conduzia a um vasto mosaico de questões sobre o pensamento fotográfico, certo aspecto se destacou. Nem sempre grandes nomes, autores renomados, teóricos fundamentais são a garantia de palestras bem resolvidas. Nesse sentido, organizar e fazer as junções de palestrantes é uma habilidade sutil que agrega situações e diálogos pertinentes. Ontem, isso ficou translúcido. Eder Chiodetto (organizador do seminário) soube fazer esta escolha. Ao juntá-los conseguiu enriquecer ainda mais a relevância da fala dos dois.

Tisseron, o intelctual francês. Psiquiatra e psicanalista é diretor de pesquisas na Universidade de Paris X. Entler, jornalista, professor em Comunicação e doutor em Artes pela Eca/USP. Apesar das áreas distintas em que operam academicamente, as proposições colocadas por ambos traduziram que a essência do que vemos, sentimos, compreendemos ou mesmo o modo com nos relacionamos com as imagens fotográficas é da ordem do pensamento.

O inconsciente, como não poderia ser diferente, permeou o discurso do professor Tisseron. Lindamente, nos esclareceu, que se ocupa da coisas do espírito. Deu-nos uma aula sobre a insistente tentativa entre realidade e ficção na história da fotografia. Deixou claro que os contrários (realidade e ficção) não se excluem, são justapostos. E que a nossa percepção “real”, esta vem de dentro de nós, são imagens interiores, perfazem relações com imagens em três instâncias: a do sonho, da memória e da alucinação. Indicou fotografias de Joel-Peter Witkin (bela análise de imagem), assim como Sarah Moon. Citou Deleuze, para nos contextualizar que a alucinação é uma porta aberta para as leituras culturais. Falou, sobretudo, de memória e ficcionalização. Para ele, “a fotografia não tem só o poder de trazer o fragmento da memória, pois está do lado do foi e do será”.

Se já havia uma reflexão densa iniciada por Tisseron, com a explanação de Ronaldo Entler perdemos o chão. O difícil era acompanhar seu fluxo de ideias. Ele próprio, em certos momentos, parecia se perder na agilidade de seus pensamentos. Muito bom. Elencou questionamentos sobre o que vem a ser a fotografia contemporânea, a diversidade de procedimentos e a hibridez inerente a estatuto desta fotografia. “Difícil hoje perceber a fotografia como real”, disse.

Entler tomou rumos filosóficos para nos encaminhar para a percepção anacrônica da realidade na fotografia. Afinal, se a realidade não é realista, “cabe à ficção ser realista”. Como também, “é possível ser ficcional sem desprender-se da realidade”. Enfatizou a importância da compreensão da noção histórica da fotografia. Só assim, perceberemos o lugar conceitual que chamamos de fotografia. Ronaldo Entler sublinhou a relevância de ampliarmos a concepção de fotografia, pois “pensa-se e olha-se para o mundo via fotografia”.

Ao final, Eder Chiodetto elaborou uma questão que culminou com respostas contundentes dos palestrantes: “Toda memória é invenção?” Para ambos, sim. Memória construída e compartilhada como nas narrativas dos álbuns de família, como bem lembraram os dois. Recordei-me de Nise da Silveira, por fim. Ela dizia que nossa mente, nosso inconsciente é um oceano e que, de vez em quando, tiramos de lá algumas imagens. A noite de ontem, para mim, virou imagem. Um dia poderei tirá-la da mente, tornar memória para o espírito.

Seminário com Serge Tisseron, Eder Chiodetto e Ronaldo Entler

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