Especial sobre o Nafoto – Parte 2

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Continuando o especial sobre o Nafoto, um papo por e-mail com Bel Amado, Eduardo Castanho e Rosely Nakagawa. As fotos são de Juvenal Pereira e foram feitas no dia 9 de abril de 1991. Veja o primeiro post sobre o Nafoto, aqui.

Fotos: Juvenal Pereira

Marcos Santilli, Rubens Fernandes Junior e Bel Amado

Iatã Cannabrava, Stefania Bril, Nair Benedicto, Rosely Nakagawa e Eduardo Castanho

OLHAVÊ Como surgiu a ideia do Nafoto?

BEL AMADO A ideia original foi do fotógrafo Juvenal Pereira e da Stefania Brill, na época a responsável pela Casa da Fotografia Fuji. Juvenal então convocou aqueles que atuavam ativamente no campo da fotografia em São Paulo.

EDUARDO CASTANHO O criador da idéia de reunir um grupo de pessoas que trabalhavam individualmente na difusão da fotografia como um meio de expressão criativa, no final da década de 80, foi o Juvenal Pereira. Começou visitando cada um de nós e logo em seguida chamando todos para uma mesma reunião para discutirmos quais ações nosso grupo poderia realizar e que, naquele momento, trariam a fotografia para um grande público brasileiro.

ROSELY NAKAGAWA Foi uma idéia gerada a partir da vontade de organizar os encontros de fotografia desde a Funarte/Infoto que organizava as Semanas de Fotografia pelo Brasil e da Stefania Brill que organizou os encontros de Campos do Jordão (SP), em 1978 e 1979. A exemplo dos encontros como o Mois de la Photo dos quais ela participava e no qual foi homenageada em 1994 quando faleceu.

OLHAVÊ O Nafoto era baseado numa organização bem coletiva. Atualmente, este tipo de relação para concretizar projetos grandiosos – como o Mês Internacional de Fotografia – ainda funciona?

BEL AMADO Os eventos de fotografia se profissionalizaram, mas naquele período era bem diferente. Nós todos do Nafoto, trabalhamos sem nenhuma remuneração, foram sete anos de dedicação sem nenhum retorno financeiro direto. Naquela época, eu era a coordenadora da galeria Fotoptica, portanto, tinha um local de atuação e contribuía com o espaço para as atividades da entidade. Eu me envolvi no projeto, ao Mês e ao Nafoto de uma maneira apaixonada, era a possibilidade inédita que eu tinha de contribuir para o desenvolvimento e enriquecimento da reflexão e produção da fotografia brasileira, e tinha a oportunidade de entrar em contato direto com o que se produzia fora do Brasil. Vou te dar um exemplo: Eu havia conhecido o trabalho da Graziela Iturbide pelos livros de fotografia do meu cunhado argentino, consegui o telefone dela através do consulado do México, lembre-se que não tinha e-mail nos anos 90, eu ligava de dois em dois dias pra casa dela tentando convencê-la a expor na galeria Fotoptica, apesar dela nunca ter ouvido falar da galeria, nem em nenhum dos componentes do grupo e muito menos no meu nome. Enfim, consegui trazê-la em 1993 para o 1º Mês, para a exposição “En El Nombre del Padre” que se realizou na galeria. Assim que eu fui buscá-la no aeroporto ela me confessou que só veio pela insistência quase diária dos meus telefonemas. Isso é só para ilustrar o ímpeto e o desejo quase adolescente de conhecer o seu ídolo. É claro que existia uma aura de romantismo e talvez esse fosse o pensamento de todos em relação ao trabalho coletivo.

EDUARDO CASTANHO Qualquer ação organizada em pró da educação e da cultura sempre vai funcionar seja onde for.

ROSELY NAKAGAWA Na época, havia outros fatores para o trabalho em grupo. Organizar um grupo era uma forma de juntar fôlego para conseguir trabalhar em diversas frentes simultaneamente. A falta de apoio no Ministério motivou uma ausência geral nas atividades culturais. Na década de 80 os inúmeros pacotes econômicos não permitiam uma estabilidade no mercado nem para a fotografia e muito menos para produtos e equipamentos todos importados. Era um caos no mercado e nas atividades culturais. Aderi ao Nafoto para atuar na organização de exposições, minha área de ação.

Em 1986, eu havia deixado de trabalhar na Galeria Fotoptica para, incentivada pela criação da Lei Sarney, começar a trabalhar de forma independente com projetos incentivados e em áreas de convergência com a fotografia. Comecei colaborando como curadora no Sesc Pompéia, em 1986, e na criação de um espaço cultural para o Citibank no mesmo ano. O Andre Boccato abriu uma galeria, a Collectors, e me chamou para ser a curadora da mostra Colecionadores em 1988; eu recebi o pagamento em Cruzados e no dia seguinte essa moeda deixou de existir. Tudo isso quase ruiu em 1989. O Citibank demitiu 700 pessoas que operavam no overnight pelo monitor do computador que eles usavam diuturnamente para estas operações. Foi um pesadelo. Os demais membros do grupo tinham vocações diferentes. O Rubens Fernandes era mais ligado a pesquisa histórica e educação, a Nair ao trabalho profissional do fotógrafo e a Stefania pelo seu relacionamento internacional com o México e a França, por exemplo, facilitaria os contatos e propostas com convidados estrangeiros. Ela não chegou a ver o primeiro evento pronto.

Hoje em dia esta ação de trabalho coletivo tem uma nova proposta, como os coletivos em fotografia. Os grandes eventos estão muito mais ligados ao mercado e propostos como negócio. Talvez o que modifique um pouco o panorama nesta década seja o Encontro da Rede de Produtores que vai ser realizado em maio em Brasília com apoio do Minc. Espero… Acredito que o Nafoto, para a organização do Mês da Fotografia, foi como outras organizações que surgiram na época. Como a SOS Mata Atlântica. Foi uma organização civil que precisava realizar ações onde o estado estava ausente, chamando a atenção para que o espaço da fotografia não entrasse em extinção. A proposta era ocupar os espaços e equipamentos culturais com fotografia num mesmo mês. Quando depois do terceiro evento as coisas começaram a andar pelas próprias pernas, eu saí, colaborando mais distante, pois e acreditava que o meu papel já estava cumprido. A Stefania faleceu e me chamaram para coordenar as exposições na Casa da Fotografia, de lá eu propunha e organizava as mostras e seminários para o Mês patrocinados pela Fuji Film do Brasil.

Eduardo Castanho

Rubens Fernandes Junior e Bel Amado

Nair Benedicto e Rosely Nakagawa

OLHAVÊ Um dos principais objetivos do Nafoto era a difusão, intercâmbio e educação. Como isso foi pensado e quais os frutos gerados por isso que podemos perceber hoje em dia?

BEL AMADO O objetivo principal foi o de criar um intercâmbio da fotografia brasileira com a fotografia do primeiro mundo. Juvenal teve o sonho de reunir um grupo de pessoas que atuavam no campo da fotografia em São Paulo, naquela época, para compor uma entidade que pudesse viabilizar exposições de fotógrafos estrangeiros no Brasil. Havia naquele período uma carência enorme em conhecer de perto os que eram ou haviam sido referências pra cada um dos participantes do grupo. Afinal de contas, nossa cultura fotográfica é basicamente européia e americana. Foram eles que publicaram livros, apresentaram a sua produção. Nossa pretensão principal era difundir a fotografia brasileira, por isso o nome Núcleo dos Amigos da Fotografia. Naquela época, em 1991, quando começamos a nos reunir, não se realizavam exposições de fotografia de autores estrangeiros no Brasil, nem de brasileiros lá fora. Havia uma necessidade urgente dessa troca.

EDUARDO CASTANHO Frutos? Creio que um imenso público teve a oportunidade de observar a obra dos maiores autores do mundo nas três edições do Mês Internacional da Fotografia. Lembro-me que somente no primeiro evento, a visitação, que as mais de 50 exposições receberam, superou 250 mil pessoas, o que até então, era inconcebível para eventos que não fossem uma Bienal de São Paulo, por exemplo. Sei pela experiência em ensino, que expor um jovem talento a obras e autores de diversos estilos em produção maciça, vai fazer com que esse talento acelere seu aprendizado e sintonize sua obra em uníssono com a produção internacional, mantendo claro, suas raízes culturais. Portanto muitos artistas contemporâneos brasileiros tiveram uma influencia decisiva pelo que foi trazido pelo esforço do Nafoto.

ROSELY NAKAGAWA O primeiro evento do Nafoto foi a organização do Seminário Internacional de Fotografia (que deveria ser realizado nos anos pares e o Mês nos anos impares) realizados em parceira com Senac, para debater questões ligadas ao ensino, difusão e formação do fotógrafo. O Senac já realizava discussões para a organização do curso superior de bacharelado em fotografia. No início, a proposição do curso era mais ampla com uma grade curricular muito mais rica do que a atual. Thales Trigo e Marcos Lepiscopo eram as duas cabeças que desde o início que vislumbravam uma formação técnica e de reflexão sobre a imagem, questões amplamente discutidas nos Seminários de Fotografia. Não incentivar uma em detrimento da outra. Fui convidada para as primeiras atividades culturais de inauguração do Senac. Imagine que pude chamar o prof. Norval Baitello para uma palestra sobre Imagem e organizei a Expedição Gráfica da Represa Guarapiranga com o apoio do Instituto Socioambiental, do Jornal da Tarde e da SABESP, pois o SENAC despejava água limpa no esgoto, (graças a um sistema de filtragem que impedia que a prata dos processos fotográficos do laboratório fosse despejada nas águas dos rios) e eu achei que isso não era apenas um detalhe, era importante ser divulgado.

O resultado dos encontros pode ser visto hoje. Mais da metade da agenda cultural dos Museus e Galerias (não apenas em São Paulo) são dedicados a fotografia. Profissionais de apoio aos eventos fotográficos existem: editores de publicações, curadores de fotografia em museus. Livros de fotografia são publicados pelas pequenas e grandes editoras. Os Museus tem coleções (Masp e Mam) as fundações dão prioridade a coleções de Fotografia como o Instituto Moreira Salles e prêmios como Conrado Wessel são concedidos a categorias diferentes.

Muitos profissionais atuando nas áreas de fotografia passaram pelo Senac ou tiveram melhor formação do que os profissionais da década de 1980, pois o número de escolas vem se ampliando no Brasil todo.

OLHAVÊ Quais foram as motivações para a criação do Mês Internacional da Fotografia?

BEL AMADO No momento em que se criou o Nafoto o objetivo principal era a realização o Mês. Foi essa a motivação principal.

ROSELY NAKAGAWA No governo Collor, o Minc se tornou Secretaria e pouco se fazia em beneficio da cultura. Da fotografia então, sem comentários. A Funarte ficou desamparada e o Infoto desapareceu. Uma das motivações pessoais foi retomar o papel da fotografia no panorama cultural. Os museus e galerias não incluíam em suas agendas atividades ligadas à Fotografia.

OLHAVÊ Além da criação e realização do Mês, quais as ações do Nafoto que você destacaria?

EDUARDO CASTANHO Os “meses internacionais”, os cursos e workshops com artistas e curadores consagrados internacionalmente e, principalmente mostrar que basta um pequeno grupo de idealistas se organizar para conseguir estimular e influenciar a produção cultural de um país.

ROSELY NAKAGAWA O Nafoto tinha uma preocupação com a formação. O tempo todo estávamos preocupados com a continuidade e renovação do pensamento em torno da fotografia. Mais do que montar uma exposição, formar pessoas que se interessassem em dar continuidade ao trabalho. A Nair cedia o espaço N Imagens para as reuniões e os assistentes dela na época, a Fabiana e o Dudu eram colaboradores, além de cuidar da agência. Os monitores que trabalhavam voluntariamente nos encontros, como a Monica Caldiron, o Guilherme Maranhão, o Toshio Assada, Francis Nishyiama, o Sidnei Perego, a Gabriela Teixeira, entre muitos outros que não me lembro, se formaram assim, trabalhando, traduzindo, documentando, pintando o chão da Bienal, acompanhando fotógrafos internacionais o dia todo, fazendo de tudo para tudo dar certo. O nosso advogado e membro do conselho, o Murilo Freire nos ajudou e ainda ajuda muito também. Hoje são profissionais em áreas relacionadas direta ou indiretamente com a fotografia e a cultura. Foi uma grande cooperativa de trabalhos e de profissionais, onde todos trabalhavam juntos o tempo todo. Nossas atividades e relacionamentos eram desgastantes por conta da própria adversidade e falta de apoio financeiro mas o tempo todo a preocupação maior era com a postura ética e profissional diante do trabalho. Por exemplo: mais do que convidar um fotógrafo internacional era importante ver se a interação dele com a fotografia brasileira iria ser interessante, se a troca ia se dar.

A Fotografia Brasileira começou a se projetar fora dos limites tímidos dos nossos espaços individuais e do território brasileiro a partir destes intercâmbios com outros fotógrafos, curadores, museus de diversos países.

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