Hoje, começamos uma nova seção: Histórias guardadas. A novidade é que será tocada pela amiga Rosely Nakagawa.
O nome já é autoexplicativo e a seção trará histórias da vida e da trajetória de Rosely, uma das mais importantes curadoras de fotografia do país. Mais do que isso, uma das pioneiras… Em vários aspectos.
Começamos com quatro histórias que serão postadas a partir de hoje.
Sobre Rosely, publicamos uma entrevista com ela em fevereiro de 2010. Confira aqui.
Foto: Mario Cravo Neto – Rosely Nakagawa e Rubens Matuck em 1981.
Quem me apresentou o Mario Cravo Neto foi a Diana Mindlin que o chamava de Mariozinho, como todos os amigos mais próximos. Na casa da Diana, eu havia visto pela primeira vez fotografias e esculturas dele.
A foto – uma sequência de nenúfares com uma língua de fogo sobre elas, coladas sobre papel japonês – era mais que uma fotografia, um objeto de arte delicado e precioso.
A Diana foi minha professora de artes gráficas no curso de Arquitetura da FAU/USP em 1977. Ela é designer gráfica e tem uma coleção de arte muito particular. Foi aluna da ENFOCO e foi a minha orientadora no meu trabalho de “Reprodução de imagem de arte”, minha tese de graduação.
Eu pedi à ela para conhecer o autor daquele trabalho. Na primeira oportunidade, ela me chamou para conhecê-lo em sua casa. À primeira vista, pareceu uma pessoa tímida e frágil para quem possuía um trabalho tão vigoroso. Agitado e desprovido de bom humor (para um baiano), a nossa conversa demorou para se desenvolver.
Sem cerimônias, falei que gostaria de ter uma mostra do seu trabalho na Galeria Fotoptica e ele imediatamente aceitou. Ele começava a trabalhar sobre o ensaio “Fundo neutro e meus personagens”, onde família, amigos e outros artistas, entre musicistas, atores e bailarinos posavam na lona montada no espaço que foi o estúdio de escultura do seu pai [o talentoso artista Mario Cravo Júnior].
O ensaio “Fundo Neutro” tem uma história interessante. Um passarinho fez um ninho de fibras de vidro roubadas do teto do estúdio do Mario Cravo Júnior. Uma escultura natural que ele fotografou sobre a lona que depois seria usada como fundo neutro para os outros personagens que viriam. Inclusive a primeira imagem da sequência feita no estúdio com luz natural e rebatedor de fibra de vidro: seu equipamento roubado e depois calcinado pelos ladrões ao serem encontrados.
A mostra foi organizada em 1981, na Galeria Fotoptica. Tinha imagens em cor, ampliadas em Cybaprint feitas no laboratório da Fotoptica e em preto e branco feitas pelo próprio Mario.
Ele deixou o projeto de instalação das fotos para que eu resolvesse. Ele queria levar os prints pra uma mostra na Itália, portanto as molduras e montagem deveriam ser temporárias. O Cyba ondulava com a mudança de umidade e o print poderia colar no vidro se não fosse montado num cartão. Esse processo tiraria a possibilidade de remontar e danificaria a cópia.
Fiquei alguns dias sem dormir até sugerir uma solução que achei genial na época e hoje fico até um pouco constrangida.
A Fotoptica pagava as cópias e molduras tradicionais, além do convite, coquetel, assessoria de imprensa. Mas outro tipo de montagem não.
Fui buscar uma loja de móveis modulados que estava na moda e jurei com a maior cara de pau, que a galeria daria visibilidade aos seus produtos. Usei um dos modelos de módulos como base para uma moldura tipo caixa que acomodava o Cyba solto na horizontal, sem ondulações e quase sem reflexo.
O visual da galeria ficou um horror, cheio de módulos pelo chão e parecia vazia, pois nas parede haviam poucas cópias em preto e branco numa das salas. Me lembro que causou um estranhamento, mas foi a primeira mostra que vendeu ampliações.
Eu estava radiante, feliz com a solução que eu havia conseguido. O Mario também adorou a instalação.
Depois da abertura, ele nos convidou, a mim e o Rubens Matuck (meu marido) pra jantar num restaurante de uma amiga dele. Era o “La Fiorella”, o celebrado restaurante italiano vegetariano; e eu fui meio sem saber o que fazer, porque era caríssimo e eu era “quase uma estudante” sem grana.
Ficamos circulando pelo lugar que pareceu meio vazio, sem saber o que fazer. Disfarçamos e fomos embora com muita fome.
No dia seguinte, o Mario me liga em casa e reclama da nossa atitude: – “A Fiorella fechou o restaurante para oferecer um jantar pra vocês e vocês desapareceram! Venham almoçar hoje, ela quer muito que vocês conheçam o lugar e a comida”.
Na minha inocência e inexperiência eu pensei que teria que pagar o jantar. Voltamos felizes da vida no dia seguinte e a comida era maravilhosa e a Fiorella, encantadora. No fundo do restaurante outra surpresa. O Mario montou uma lona sobre o botijão de gaz e fez um retrato meu e do Rubens.
Recebi esse retrato em 2009 quando o Mario se foi e o Christian Cravo [seu filho e também fotógrafo] encontrou uma cópia dedicada pra mim na mapoteca em Salvador.
Fiquei feliz de novo.
Neste diálogo de erros, acertos e muita amizade, aprendi com ele a editar, a improvisar, a organizar embalagens para cromos despachados pelo correio ou que chegavam através de amigos que iam e vinham de Salvador, entre eles o fotógrafo Giacomo Favretto e a Simone Raskin, mãe do David Helman, que eu iria encontrar anos mais tarde como fotógrafo. Mas essas são outras lembranças.
Por Rosely Nakagawa.
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